Nesse dia saiu da faculdade mais cedo. Apesar de saber que tinha uma aula importante, que a matéria que o professor ia dar ia sair para a avaliaçao dai a 5 dias, apesar disso saiu.
Apanhou o autocarro na paragem à frente da faculdade. O trânsito, o medo de não conseguir chegar a tempo. Olhou para o relogio 5 vezes seguidas, como se o olhar tivesse o poder de abrandar o ritmo dos ponteiros. Finalmente o Arco do Cego ao fundo da rua. Ia conseguir. Sorriu.
Comprou o tão desejado bilhete. Entrou no autocarro e suspirou de alivio. Tinha conseguido. Abriu a carteira e viu que tinha tudo aquilo que precisava lá dentro. Não trazia mais bagagem nesse dia. Não era preciso.
O expresso saiu da grande cidade e entrou na auto-estrada rumo à sua cidade natal. Encostou a cabeça ao vidro e olhou para o mundo lá fora. Dentro de si tinha a certeza de que estava onde precisava de estar, que o seu presente era aquele. Um daqueles raros momentos em que se sente dentro que a vida está a acontecer como tem de acontecer. Um daqueles instantes em que sabemos que por um motivo ainda desconhecido para nós, aquele momento vai ficar gravado para sempre nas nossas vidas.
Quis fechar os olhos e descansar. Mas não conseguia. Tinha aquele nervoso miudinho da menina que vai para a escola no primeiro dia de aulas. Aquela hora e meia de viagem pareceu-lhe uma eternidade. Na sua cabeça passavam imagens da sua vida, de momentos partilhadas com a pessoa mais especial que algum dia tinha conhecido. Olhava pela janela, e recordava todos os dias em que tinha olhado pela janela com ela, em que juntas tinham construido castelos nas nuvens, tinham visto dragoes e princesas feitos de algodao doce no céu. Dias em que tinham dentro dum carro percorrido arco-iris, tinham olhado na mesma direcçao, visto o mesmo ceu azul, as mesmas estrelas, sentido o mesmo sol.
Sentia-se a pessoa mais sortuda do mundo por ter tido alguem nesta vida que sempre esteve do seu lado, incondicionalmente, eternamente. Alguem que lhe deu tudo e recebeu tudo, numa troca constante de quem sabe e tem a certeza de que a vida só vale a pena quando vivida assim, quando se dá e recebe tudo, quando já nao se sabe quando acaba uma alma e começa outra.
Sentia-se grata por ter tido uma tutora que lhe tenha mostrado a beleza da vida nas pequenas coisas, e nas grandes tambem. Que a tenha ensinado a amar, a sorrir, a chorar, a acreditar, a lutar..que lhe tenha ensinado que a vida só é vida quando vivida intensamente, apaixonadamente, como se cada segundo fosse o ultimo. Lembrou todos os abraços, todas as toalhas aquecidas à lareira trazidas para ela se limpar depois do banho nas noites frias. Lembrou todos os olhares de cumplicidades, todas as gargalhadas ouvidas a duas, todas as viagens. Lembrou-se da sua mão a acariciar os seus cabelos, do seu colo onde encostava a sua cabeça. Lembrou-se de a ter deitada ali na sua cama, no seu quarto, quando estudava pela noite dentro... aquela presença constante, inabalavel, a provar que o amor não é so um sentimento. É o gesto, a palavra, o olhar, o sorriso, o silêncio.
Finalmente chegou. Depois de uma curta viagem de carro, chegou a casa. Abriu a porta apressadamente, tirou de dentro da sua carteira um embrulho com um grande laço vermelho e correu para o quarto onde o sua viagem a tinha levado.
Sorriu, estendeu aquele embrulho que continha toda a sua vida e disse: " Feliz Dia da Mãe"
...aquele foi o ultimo Dia da Mae partilhado. O ultimo dia em que pôde oferecer uma prenda, em que se pôde oferecer a si. Não o trocaria por nada deste mundo. Não o faria em nada diferente
Às vezes temos a certeza e não duvidamos de que o nosso destino se está a realizar, em que o nosso lugar era ali e não noutro lugar qualquer. Eu tive essa certeza nesse dia...
...Para todas as mães, na terra ou no céu... Feliz Dia da Mãe!