Se me perguntassem o que Nova Iorque tem de pior, não hesitaria na resposta: a inconstância dos afectos.
E nem falo na inconstância (ou na ausência) dos afectos deste povo. Não falo porque aprendi a respeitar estas diferenças culturais. E sim, é incrivel como depois destes anos todos, vivendo nós nesta "aldeia global", as diferenças que nos separam, europeus e americanos, ainda são abismais. Começa com a incapacidade do toque (experimentem cumprimentar um americano com dois beijinhos e vão perceber o que quero dizer), à superficialidade das conversas e vai até ao profundo desconhecimento do significado da amizade. Mas não é desta inconstância que vos falo, porque como disse antes, aprendi a aceitar estas diferenças, e aprendi a gostar deste povo como ele é... com as suas qualidades que são muitas, mas também com os seus defeitos.
A inconstância dos afectos a que me refiro não é a de um povo, mas de uma cidade. Em Nova Iorque tudo é fugidio, passageiro, transitório. Até, e sobretudo!, as pessoas, as relações. Todos estamos, estivemos ou vamos estar aqui de passagem. E talvez ainda bem. Porque assim há a rotação de gente necessária, torna possivel que mais pessoas possam experimentar esta cidade tão especial, possam vivê-la e senti-la, como eu tive a sorte de poder viver e sentir.
Mas nesta passagem, neste pedaço das nossas vidas que entregamos a esta cidade, entregamos tambem pedaços de nós a estranhos que partilham esta cidade connosco. E devagarinho, vamos criando afectos. Quase quase sem darmos por ela. Quase quase contra a nossa própria vontade. Porque também nós estamos cá de passagem, não permanentes, e tambem nós poupamos nestes afectos (como se fosse possivel poupar em afectos...).
Mas de mansinho, na correria destes dias, sem a nossa permissão, existem pessoas que nos vao cativando. Um sorriso primeiro, um abraço inesperado. O toque. O olhar. As palavras. A cumplicidade. A simplicidade dos afectos, que nesta cidade se torna tão mais preciosa, por ser tão rara. E depois, depois quando podemos chamar aquele estranho "amigo", depois quando já sentimos que temos um colinho em que podemos encostar a cabeça, quando sabemos que não precisamos de mais palavras para sermos percebidos (quando o silêncio diz tudo o que não precisamos dizer) depois o adeus... A lembrar-nos que tudo nesta cidade é fugaz. Que tudo desaparece. Que tudo pode acabar. E o olhar que falta, e a gargalhada que já não se ouve, a amizade que podia ter crescido tanto mais, e que ficou por momentos suspensa. A vida que ficou por momentos suspensa...
Nova Iorque é a vida em ponto pequeno.
...e...nalguns dias, um sabor apenas a semi vida em ponto muito grande...
ResponderEliminar